quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A Onda Conservadora


É estritamente natural que a supremacia de um lado provoque uma reação no oposto (a Terceira Lei de Newton está aí para não me deixar mentir).

E no espectro político não poderia ser diferente...

Em 1917, quando a Revolução Bolchevique triunfou na União Soviética, como resposta nasce o fascismo, em 1922, e por conseguinte o nazismo, em 1933.

Pouco depois de Fidel Castro e seus guerrilheiros realizarem a Revolução Cubana - que derrubou a ditadura de Fulgencio Batista - proclamando a independência de Cuba em face dos EUA, o imperialismo estadunidense deu início a uma série de destituições de governos progressistas na América do Sul. Seguindo tendência já acolhida no Paraguai, ditadores militares assumiram os lugares de João Goulart (Brasil), Arturo Illia (Argentina), Víctor Paz Estenssoro (Bolívia) e Salvador Allende (Chile). Tais tiranias proliferaram até o Uruguai, perdurando-se até os anos 80, na qualidade de aliados na luta contra o comunismo.

Após o fracasso desse modelo ditatorial, o chamado neopopulismo tomou a América Latina a partir de 1999. Com a coadjuvação de Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador), o coronel Hugo Chávez (Venezuela) liderou uma Aliança Bolivariana, na qual alinharam-se: o casal Kirschner (Argentina); Fernado Lugo (Paraguai); Lula e Dilma Rousseff (Brasil); Tabaré Vázquez e Pepe Mujica (Uruguai); Michelle Bachelet (Chile) e; Manuel Zelaya (Honduras).

Hoje, a “onda conservadora” que nos assola é, justamente, o reflexo dessa “década dourada da esquerda”, a qual representou uma "ameaça vermelha" para o lado avesso do espectro. Em 2009, o presidente hondurenho Zelaya já foi tirado à força de sua casa e deportado à Costa Rica. Mais recentemente, em 2012, menos de 48 horas foram necessárias para o congresso paraguaio votar pelo impeachment relâmpago de Lugo. Ambos casos remetem à queda de Dilma no Brasil, pois todos eles culminaram na instalação de governos neoliberais em comutação, rumo que já havia sido tomado pela Argentina com a eleição de Mauricio Macri, porém via pleito democrático - processo distinto ao dos demais episódios.

Sendo assim, conclui-se que essa ideologia do medo e a demonização do outro foram responsáveis por fomentar o ódio da polarização política que deu origem ao embrião dos regimes mais nefastos da história. Portanto, toda cautela nesse momento é pouca, para evitar que, mais uma vez, o futuro repita um sombrio passado.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Apartheid Carioca


Cresci ouvindo dizer que o Rio é a cidade mais democrática do Brasil, pois cultua-se um ideal, no qual as suas praias e o Maracanã constituem ambientes, cujos cidadãos das mais variadas classes sociais convergem harmoniosamente.

Mas, com o passar do tempo, fui percebendo que a realidade é totalmente inversa ao estereótipo do município.

Primeiro, descobri que transporte coletivo oriundo da Baixada sempre foi proibido de adentrar a Zona Sul.

Posteriormente, quando uma turista estadunidense foi estuprada dentro de uma van, e a prefeitura, simplesmente, desautorizou a circulação de transporte alternativo APENAS nos bairros da Zona Sul, logo subentendi que nos demais bairros o estupro era liberado.

Nessa mesma época, o ônibus que eu pegava para ir ao Centro, cujo terminal era na Praça XV, foi restringido a não passar mais da Candelária, e agora recentemente da Central.

No ano passado, a PM retirou jovens negros de ônibus vindos da favela para impedi-los de chegar à praia.

Agora, a Câmara quer separar a "Zona Oeste rica" da "Zona Oeste pobre".
 
Daqui a pouco, estarão fechando os túneis. Afinal, quem sabe dessa forma, a máscara caia definitivamente e o Rio revele sua verdadeira face, a da cidade mais segregadora do país.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

O mito do milagre econômico na ditadura militar


É bem comum ouvir-se dizer que entre 1968 e 1973 foi a fase do “milagre econômico brasileiro”. Durante o período, o país foi governado pelos ditadores Costa e Silva e Emílio Médici, mas foi o presidente Castelo Branco, que logo no primeiro ano do regime militar (1964), preparou o terreno para o desenvolvimento posterior, ao lançar o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG). 

As medidas do PAEG auxiliadas pelo contexto internacional propiciaram a concretização do tal “milagre econômico”. Com a inflação operando em queda durante todo o período, a economia do país cresceu, em média, 10,2% ao ano (a.a) e o PIB saltou de 9,8% a.a. em 1968 para 14% a.a. em 1973. Mas no sentido de “primeiro fazer crescer o 'bolo' para depois dividi-lo”, como decretou o então ministro da Fazenda Delfim Neto, essa fase estável da economia, confundiu-se com os chamados "anos de chumbo", o período mais repressivo da ditadura, iniciado no fim de 1968, após a edição do AI-5. O que corroborou para um expressivo aumento na concentração de renda. 

O ambiente de repressão política e de sindicatos sufocados favoreceu o arrocho salarial, incluindo aí o salário mínimo, colaborando para o crescimento do bolo sugerido pelo ministro Delfim, pois o setor privado fazia grandes investimentos financiados pela folga financeira devido à redução de custos que representava a folha de pagamento – além de favores concedidos pelos militares a determinados setores econômicos. Esse arrocho foi um vetor importante do modelo econômico implantado. Nos 21 anos do regime, o salário mínimo perdeu, em termos reais, mais de 50% do seu valor. “Todo esse controle administrativo sobre os salários, viabilizado pela repressão política, logrou reduzir a participação do trabalho, especialmente o não-qualificado, na renda nacional, aspecto catalisador do crescimento da desigualdade social”, explicou Ricardo Zórtea Vieira, mestre e doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ. 

Segundo o estudo feito por Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da UnB, em 1965, a fração recebida pelo 1% mais rico, considerando apenas os rendimentos tributáveis brutos (só o passível de pagar tributo), era cerca de 10% do bolo total. Apenas três anos depois, a cifra foi a 16%. 

Por sua vez, o setor público financiava seus investimentos pelo usufruto do endividamento externo, aprofundando por aqui características de uma economia dependente e subordinada. O petróleo, importado a preços baixos no período, impulsionava ainda mais a economia nacional. Mas, em 1974, ocorreu o primeiro choque do petróleo, quando seu preço foi elevado abruptamente. “Nessa época, o Brasil ainda não produzia petróleo, e com o enorme salto no preço dos barris, o governo precisou retirar recursos de programas de desenvolvimento, além de se endividar muito, para poder comprá-los”, contou o professor, mestre em Ciência Sociais e Educação e pós-doutor em História e Política, José Eudes, acrescentando que essa crise também provocou uma aceleração da taxa de inflação no mundo todo e principalmente no Brasil, onde passou de 15,5% em 1973 para 34,5% no ano seguinte.

O milagre então se transformava em pesadelo. Ao fim do regime, a dívida externa passou de cerca de US$ 3 bilhões, em 1964, para quase US$ 100 bilhões, em termos nominais. Para pagar essa dívida, eram usados 90% da receita oriunda das exportações, e o Brasil assim entrou numa fortíssima recessão econômica que duraria até a década de 1990, cujo maior fruto é o desemprego, que se agravou com o passar dos anos e só declinou nos anos 2000. A inflação, que já era alta nos tempos de João Goulart, disparou. Ocorreram grandes movimentos migratórios, de Norte e Nordeste para São Paulo e Rio de Janeiro e do campo para as cidades. Sem empregos, renda e direito à moradia nas cidades, que representavam sonho e esperança, as favelas surgiram como alternativa e como problema urbano e social. Era o fim do sonho dos militares de um “Brasil Grande Potência”.

*Dados: IBGE, Ipeadata