É bem comum ouvir-se dizer que entre 1968 e 1973 foi a fase do “milagre econômico brasileiro”. Durante o período, o país foi governado pelos ditadores Costa e Silva e Emílio Médici, mas foi o presidente Castelo Branco, que logo no primeiro ano do regime militar (1964), preparou o terreno para o desenvolvimento posterior, ao lançar o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG).
As medidas do PAEG auxiliadas pelo contexto internacional propiciaram a concretização do tal “milagre econômico”. Com a inflação operando em queda durante todo o período, a economia do país cresceu, em média, 10,2% ao ano (a.a) e o PIB saltou de 9,8% a.a. em 1968 para 14% a.a. em 1973. Mas no sentido de “primeiro fazer crescer o 'bolo' para depois dividi-lo”, como decretou o então ministro da Fazenda Delfim Neto, essa fase estável da economia, confundiu-se com os chamados "anos de chumbo", o período mais repressivo da ditadura, iniciado no fim de 1968, após a edição do AI-5. O que corroborou para um expressivo aumento na concentração de renda.
O ambiente de repressão política e de sindicatos sufocados favoreceu o arrocho salarial, incluindo aí o salário mínimo, colaborando para o crescimento do bolo sugerido pelo ministro Delfim, pois o setor privado fazia grandes investimentos financiados pela folga financeira devido à redução de custos que representava a folha de pagamento – além de favores concedidos pelos militares a determinados setores econômicos. Esse arrocho foi um vetor importante do modelo econômico implantado. Nos 21 anos do regime, o salário mínimo perdeu, em termos reais, mais de 50% do seu valor. “Todo esse controle administrativo sobre os salários, viabilizado pela repressão política, logrou reduzir a participação do trabalho, especialmente o não-qualificado, na renda nacional, aspecto catalisador do crescimento da desigualdade social”, explicou Ricardo Zórtea Vieira, mestre e doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ.
Segundo o estudo feito por Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da UnB, em 1965, a fração recebida pelo 1% mais rico, considerando apenas os rendimentos tributáveis brutos (só o passível de pagar tributo), era cerca de 10% do bolo total. Apenas três anos depois, a cifra foi a 16%.
Por sua vez, o setor público financiava seus investimentos pelo usufruto do endividamento externo, aprofundando por aqui características de uma economia dependente e subordinada. O petróleo, importado a preços baixos no período, impulsionava ainda mais a economia nacional. Mas, em 1974, ocorreu o primeiro choque do petróleo, quando seu preço foi elevado abruptamente. “Nessa época, o Brasil ainda não produzia petróleo, e com o enorme salto no preço dos barris, o governo precisou retirar recursos de programas de desenvolvimento, além de se endividar muito, para poder comprá-los”, contou o professor, mestre em Ciência Sociais e Educação e pós-doutor em História e Política, José Eudes, acrescentando que essa crise também provocou uma aceleração da taxa de inflação no mundo todo e principalmente no Brasil, onde passou de 15,5% em 1973 para 34,5% no ano seguinte.
O milagre então se transformava em pesadelo. Ao fim do regime, a dívida externa passou de cerca de US$ 3 bilhões, em 1964, para quase US$ 100 bilhões, em termos nominais. Para pagar essa dívida, eram usados 90% da receita oriunda das exportações, e o Brasil assim entrou numa fortíssima recessão econômica que duraria até a década de 1990, cujo maior fruto é o desemprego, que se agravou com o passar dos anos e só declinou nos anos 2000. A inflação, que já era alta nos tempos de João Goulart, disparou. Ocorreram grandes movimentos migratórios, de Norte e Nordeste para São Paulo e Rio de Janeiro e do campo para as cidades. Sem empregos, renda e direito à moradia nas cidades, que representavam sonho e esperança, as favelas surgiram como alternativa e como problema urbano e social. Era o fim do sonho dos militares de um “Brasil Grande Potência”.
*Dados: IBGE, Ipeadata